Desenhando coexistência
Resumen
Antes de apresentar o quarto número da revista V!RUS, queremos agradecer aos leitores pela acolhida à sua edição número 03, de junho de 2010, sobre o tema "Sistema". Ela foi lida, até agora, em 220 cidades situadas em 41 países, conforme o mapa abaixo gerado pelo nosso contador, o que constitui, para nós, uma grande honra e um enorme estímulo.
Fonte: Google Analytics
A temática da V!RUS 04, Desenhando coexistência, parte da percepção de que, hoje e cada vez mais, os dados do problema apresentado a todos aqueles chamados a intervir nas cidades, sejam planejadores, políticos, arquitetos, designers, artistas, animadores sociais, ou estudiosos de diversos campos, estão se alterando. Não se trata mais de unicamente desenhar e produzir espaços físicos que, no fim, constituirão lugares de vivência ou de expulsão, em variadas escalas, para populações que pensamos conhecer de cor. Trata-se, antes de mais nada, de entender que a essência da sociedade se alterou, através de fenômenos diversos como migrações, acesso à informação, valorização de culturas locais, respeito e estímulo a minorias, entre muitos outros, e que, como a cidade é formada por essas pessoas, desenhar a cidade significa desenhar condições para que suas diferenças possam coexistir. E com brilho e dignidade!
Esse assunto tem ocupado um lugar central nas discussões do Nomads.usp desde há algum tempo, permitindo ao Núcleo perceber novas conexões entre suas pesquisas. A V!RUS 04 constitui uma busca de interlocutores que o Nomads.usp estende para além de seus muros, querendo escutá-los em um debate que, esperamos, continue a ampliar-se. Assim, abrimos a palavra a todo pesquisador que se interessasse em discutir conosco, mas também convidamos alguns pesquisadores e atores sociais a expressar suas posições sobre o tema. O resultado está nas páginas que aqui oferecemos à leitura e ao deleite, com seus vinte e cinco textos, treze vídeos, três áudios, dois projetos de arquitetura e dezenas de fotos.
Esse número da revista V!RUS conta com 47 colaboradores externos ao Nomads.usp, entre autores de textos submetidos e convidados. Estão sediados em 8 países diferentes - Alemanha, Espanha, Inglaterra, Moçambique, Palestina, Portugal, Suécia e Brasil - e transitam entre áreas do conhecimento diversas, como artes cênicas, animação cultural, ciências sociais, design, ciências da computação, educação, comunicação, filosofia, psicologia, geografia, estudos culturais, artes visuais, história, planejamento urbano e arquitetura.
Procuramos organizar a revista enfatizando as várias maneiras de tratar o tema Desenhando Coexistência. Na seção Entrevista, os atores e animadores culturais Adriano Mauriz e Paulo Carvalho, do Instituto Pombas Urbanas, relatam e analisam essa coexistência no dia-a-dia de sua atuação com as comunidades do bairro periférico de Cidade Tiradentes, São Paulo, e também com políticos e financiadores de projetos.
Dois convidados principais oferecem reflexões aprofundadas sobre o assunto: a cientista cultural inglesa Mica Nava aborda a coexistência entre estrangeiros e locais na cidade de Londres, ressaltando o papel das comunidades criadas a partir do fortalecimento de estruturas afetivas entre as pessoas. Comumente entendidas como loci de coexistência, as redes de relacionamento online são objeto de análise no texto do sociólogo Sergio Amadeu da Silveira, que compara o caráter privado das redes com a estrutura aberta mas ainda assim de controle do ciberespaço.
Nos artigos submetidos, pesquisadores acadêmicos abordam o tema elencando e discutindo experiências e posturas em que foram criadas condições para o trato das diferenças em várias partes do Brasil e do mundo. Alguns apresentam estudos e análises, como Adriana Fortes, que investiga o convívio entre skatistas e não skatistas em praças públicas na região central da cidade de Barcelona. Tendo o Rio de Janeiro como campo de estudo, Emika Takaki e Glauci Coelho relacionam multiterritorialidade, cultura e redes sociais através da observação de como se organizam as comunidades de hip hop na cidade. E, finalmente, a participação das pessoas no uso de sistemas online como auxílio para o tratamento do câncer pediátrico em Portugal é explorado por Nuno Duarte Martins e Heitor Alvelos.
Ainda nos artigos submetidos, alguns autores relatam experiências realizadas em diferentes contextos urbanos, com o objetivo de mesclar perfís e ampliar visões de mundo. Tom Bieling, Gesche Jooster e Alexander Müller relatam a experiência do Street Lab, em Berlim, junto à população. Em Belo Horizonte, um experimento que visou estimular, através de um blog, a intervenção das pessoas num trecho de rua abandonado, conforme relato e análise de Lígia Milagres, Silke Kapp e Ana Paula Baltazar. A coexistência em torno do trabalho em galpões de triagem de lixo em Porto Alegre é objeto do estudo de Fernando Fuão, Bruno de Mello, Camilla Bernadellli e Antônio Pedro Figueiredo. E João Diniz e Gabriela Mello Vianna apresentam a experiência poética e interdisciplinar do projeto multimidiático Pterodata.
Finalmente, dois artigos submetidos propõem ações para que a coexistência seja estimulada em meio à diversidade cultural. Na escala urbana, Vinícius de Moraes Netto, Roberto Paschoalino e Maira Pinheiro sugerem estratégias para se planejar coexistência a partir do entendimento do deslocamento físico das pessoas, que permitiria o reconhecimento de padrões de encontro e possibilidades de comunicação. Na escala de um país, Hildizina Norberto Dias delineia princípios para a revisão de aspectos do sistema de educação em Moçambique, frente à diversidade cultural do país.
A seção Projeto apresenta artigos submetidos cujo foco são projetos de arquitetura e urbanismo. Anne Marie Sumner expõe suas ideias para a implantação de habitações nas áreas dos antigos portos de areia na zona sul da cidade de São Paulo, em uma região de mananciais. Denise Morado Nascimento, Simone Tostes, André Soares, Hernán Rieira, Janaína Pinheiro e Renata Nogueira desenham espaços públicos de convivência localizados de forma precisa em partes do centro de Belo Horizonte.
Na seção Tapete, dez estudiosos de áreas diversas foram convidados a livremente agregar breves idéias à temática Desenhando Coexistência, tanto na forma de textos acadêmicos curtos como em depoimentos, imagens e vídeos. Alguns artigos apresentam uma reflexão sobre questões de fundo. A arquiteta Ruth Verde Zein sugere que dificuldades para que pensamentos diversos coexistam no interior do ensino de arquitetura precisam ser superadas para que os arquitetos possam ser propositivos no desenho da coexistência. O papel do arquiteto, enquanto assessor técnico de movimentos sociais para construção de moradias em mutirão em São Paulo, também é examinado pelo arquiteto João Marcos de Almeida Lopes, em ações em que a coexistência entre diferenças tem como objetivo a produção de um bem comum.
Ainda na seção Tapete, e observando as cidades, o arquiteto espanhol Carlos Tápia explora a noção de contraespaço, proposta pelo grupo Outarquías, como meio de reflexão sobre as condições de coexistência nas cidades. O urbanista Rodrigo Firmino enxerga o uso de redes telemáticas como possível vetor da coexistência entre diferenças, implicando, por uma lado, na ampliação significativa da vida urbana através das TIC e, por outro, na valorização da coexistência entre diferenças como ponto focal de ações no espaço urbano. E a arquiteta Eulália Portela Negrelos destaca o risco de gentrificação e homogeneização da população na zona leste de São Paulo a partir da implantação dos chamados grandes projetos públicos. Problemática parecida é tratada pelo pesquisador Benjamin Häger ao contextualizar a experiência da ocupação Frappant, na cidade de Hamburgo, Alemanha, por um grupo de artistas cujo objetivo foi o de discutir alternativas bottom-up aos efeitos gentrificadores das atuais estratégias oficiais neo-liberais de reestruturação da cidade.
Outros textos da seção Tapete propõem ações ou estratégias que visam promover o convívio entre diferenças. O sociólogo alemão Volker Grassmuck comenta dimensões do conceito de coexistência e duas iniciativas de desenho da coexistência: um, no espaço concreto de cidades holandesas e o outro, na troca de arquivos peer-to-peer na Internet. O designer sueco Otto Von Busch enxerga um papel importante do design de objetos no estímulo de posturas mais solidárias entre as pessoas, re-qualificando a convivência nas cidades.
Por fim, outros dois artigos da seção Tapete analisam ações de seus autores na aproximação entre diferenças em duas situações absolutamente distintas. Os arquitetos palestinos Yara Sharif e Nasser Golzari, juntamente com o arquiteto inglês Murray Fraser, criaram o PART, Palestine Regeneration Team, visando agir junto a populações palestinas e israelenses vítimas do conflito entre seus países. E o arquiteto alemão Heiner Lippe apresenta o evento Ringlokschuppenost, que reuniu artistas e trabalhadores ferroviários em um edifício abandonado da estação de trens de Hannover, Alemanha, para três dias de aproximações entre eles e a arquitetura do lugar.
A seção Resenha traz o prazeroso e estimulante exame do cientista social Marco Antônio de Almeida de exemplos de filmes cujo tema central é a coexistência e o trato da diversidade, em sete diferentes estórias.
Esperamos que a leitura desse rico material, produzido a muitas mãos, nos traga visões mais amplas do tema e nos estimule a sermos igualmente propositivos em termos de ações indutoras da coexistência.