Arquitetura pós-paredes: a experiência cotidiana de abrir janelas

Autores

  • Ivana Bentes Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Resumo

Começamos uma conversa com Ivana Bentes. Diretora e professora da Escola de Comunicação (ECO), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenadora do Pontão de Cultura Digital dessa mesma escola, é pesquisadora de temas ligados a comunicação, estética, cultura digital, pensamento contemporâneo, imaginário social, entre outros.

É também uma pesquisadora que não se restringe aos territórios da academia, que não se mantém a uma distância acomodada do que se passa ao seu redor. Transpõe limites, conhece e vive as práticas e potencialidades da cultura contemporânea, transitando de forma intensa pelos diferentes lugares onde são delineados traços importantes desse panorama cultural.

Nessa entrevista, através do GTalk, iniciamos uma conversa infinita e aberta com Ivana Bentes. Partilhamos com os leitores da V!RUS esse prazeroso momento, convidando-os a participar também.

V!RUS: Ivana, obrigado por aceitar nosso convite! O tema desse número da revista é "Lugares do Habitar: Revisited". Queremos conversar com você sobre o papel das comunicações na alteração ou mesmo na criação desses lugares.

A primeira pergunta refere-se às redes sociais e suas interfaces como lugar de habitar. Podemos enxergar esses ambientes digitais como lugares de um habitar expandido?

Ivana Bentes: Sem dúvida, a ideia inicial dos teóricos e mesmo o senso comum de que deveríamos pensar uma distinção entre real e virtual mostrou-se insustentável. As redes são, hoje, territórios cognitivos, afetivos, nos quais queremos estar cada vez mais. São lugares de fluxos e de trocas cada vez mais intensas. Nesse sentido, são novos lugares, híbridos de presença/ausência, altamente estimulantes.

A ideia da expansão, no episódio das manifestações na Espanha, por exemplo, acabou de vez com a cisão território versus redes. O que vimos foi um colapso da distinção real/virtual. Eu fiquei três dias, quase inteiros, acompanhando a Puerta del Sol virtual , transmissão ao vivo do acampamento em Madrid, e foi uma experiência intensa. Ao mesmo tempo em que havia uma ocupação territorial, a mobilização via redes foi decisiva.

V!RUS: Esse "querer estar cada vez mais" pode ter um paralelo com a ideia de "oásis" ou de "refúgio", muitas vezes atribuída à habitação pelas pessoas?

Ivana Bentes: É um oásis bem populado. Ninguém quer estar "sozinho", é sozinho com muitos, uma nova forma de compartilhar o tempo e o espaço. Sem dúvida é um refúgio, mas bastante "animado". Hoje, vejo muitas pessoas "sozinhas" em ambientes públicos, em companhia de um celular, ou outros dispositivos de conexão, mergulhadas nesse "estar" simultaneamente no território e na rede.

V!RUS: Nesse caso, a ideia de oásis ganha um caráter de lugar de onde se retirar, de um ponto de vista quase ideológico, ou, pelo menos, marcado por uma convergência clara de interesses... Seria uma ilustração do conceito de individualismo em rede, de Manuel Castells ?

Ivana Bentes: Gosto da ideia de uma singularidade em fluxo. Sim, o individualismo em rede ou o conceito de "multidão" do Antonio Negri que une o mais singular e o comum, o coletivo.

V!RUS: Como você introduziria, nessa conversa, o conceito de co-presença?

Ivana Bentes: Estar aqui e lá ao mesmo tempo, essa ideia me fascina e encanta muitos. Não por uma questão de "onipresença", nem de superpoderes, mas como uma experiência cada vez mais cotidiana de podermos abrir "janelas" entre os espaços, de fazer os espaços se comunicarem. Por meio de uma web-cam, uma chamada pelo Skype, um GTalk aberto continuamente. São possibilidades de viver em co-presença. Tenho feito experiências como essas na rede. Conversas infinitas, que nunca "acabam". Ficam simplesmente "abertas".

V!RUS: Isso significaria habitar no que chamamos espacialidades híbridas, nas quais cada vez mais pessoas transitam diariamente, muitas vezes sem se dar completamente conta.

Ivana Bentes: Essa ideia de espaços que nos conectam instantaneamente com outros... Podemos pensar em uma arquitetura pós-paredes. Que funcione como janelas-mídias abertas em fluxo contínuo, em co-presença com outros ambientes cognitivos, afetivos...

Conversas infinitas e a não necessidade de dizer bom dia ou adeus :)

V!RUS: Não necessidade de voltar para casa também?

Ivana Bentes: Não voltar para casa supõe um nomadismo radical!!! Sempre que viajo só me sinto "em casa" quando abro meu Gmail e reencontro todas as pessoas, afetos e problemas do meu continente afetivo. É mágico! É a minha "casa" que me acompanha. Mas ainda existem muitas experiências territorializadas que marcam, que chamam... não dá pra virtualizar tanto...

Ter uma "casa", em algum "lugar", pra voltar! Isso é reconfortante. De novo, acho que é isso que vocês definiram como espaços híbridos, mentais/territoriais. Essa é uma ótima questão. Tenho estudado alguns conceitos poéticos do espaço e encontrei um maravilhoso na Lygia Pape que vem dos anos 1970, a ideia dos "espaços imantados".

Ela ficava fascinada com esses aglomerados que se formam numa feira, no meio da rua, numa praça. Do nada, um espaço se "imanta", se cria, por um interesse transitório. Surge ali uma pequena comunidade, no meio da rua, no meio de pessoas anônimas. Acho genial essa ideia. O espaço construído como nas redes, um chat ou uma troca de mensagens no Facebook, pode criar outros espaços imantados como esses, provisórios, mas intensos.

Ainda nessa relação entre coletivo e singular, entre território e redes, acompanhei a Marcha da Liberdade em São Paulo e, junto à presença dos corpos, das conversas, das trocas face a face, manifestação clássica da multidão, havia centenas de pessoas twittando, fotografando, postando e jogando nas redes, de forma intensa. De novo, as duas dimensões. Não há incompatibilidade entre as redes e os territórios. O espaço e o tempo estão curto-circuitando. Entramos em fluxo.

V!RUS: As categorias clássicas de análise "público" e "privado" seriam ainda suficientes para entendermos (ou explicarmos) essa noção de habitar?

Ivana Bentes: Não dá mais para separar completamente o público do privado. Na verdade, essas separações sempre foram "artificiais", históricas, não servem mais, talvez, para pensarmos outros estilos de cultura e de estar no mundo.

Mas, temos que ir devagar com o andor... pois vão surgindo outros limites, novos limites... Uma forma das pessoas criarem o tal oásis é "desplugar", um luxo para poucos hoje. Quem pode se dar ao luxo de ficar desconectado um dia inteiro? "Fora da sua área de cobertura"... Ficamos mais intolerantes com a "ausência" do outro.

V!RUS: Modelos de habitar simultaneamente em rede e em territórios estendem ao meio digital formas de habitar solidárias já presentes em seu espaço físico, como no caso do Circuito Fora do Eixo Suas referências são marxistas, sua efetivação se dá através das redes telemáticas.

Ivana Bentes: O Fora do Eixo é um circuito experimental e genial. Quanto mais conheço mais fico envolvida e impactada com o que estão experimentando. Acho que é um novo "comunismo", pós-hippie, tecno-odara comunismo das redes. Acho que eles estão respondendo e criando novas perguntas para uma questão difícil: como viver juntos?

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Biografia do Autor

Ivana Bentes, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Professora Titular da UFRJ, doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pró-Reitora de Extensão da UFRJ desde junho de 2019. É professora e pesquisadora do Programa da Pós Graduação em Comunicação da UFRJ. Foi Diretora da Escola de Comunicação da UFRJ de 2006 a 2013 e de 2018 a junho de 2019. Foi Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura do Brasil onde fez a gestão nacional do Programa Cultura Viva dos Pontos de Cultura do Brasil de 2015/2016. Foi presidente pro-tempore do Programa IberCultura Viva (2015/2016) programa intergovernamental de cooperação voltado para o fortalecimento das políticas culturais nos países ibero-americanos. É coordenadora do Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ e do Laboratório de Inovação Cidadã da UFRJ. Atua no campo da comunicação, com ênfase nas questões das tecnologias da comunicação, cultura, estéticas, cultura de redes, capitalismo cognitivo, inovação cidadã. Atua como ensaísta e curadora no campo cultural e artístico.

Publicado

01-07-2011