Morar na abertura de interioridades

Autores

  • Igor Guatelli Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo

Palavras-chave:

Refúgio, Interioridade, Intruso, Profano, Restituição

Resumo

Traço aparentemente irrevogável de tempos não mais tão atuais, presenciamos a intensificação, via interdição, da interiorização seletiva da vida coletiva. De um lado, em sua maioria – e aí podemos incluir, condomínios, resorts, museus, shoppings e, inclusive, os sofisticados estádios de futebol – configuram-se como simulacros de espaço público, traduzidos em ilhas imunizadas, de exclusividades e lugares do mimo. Do outro, as chamadas Ocupações – moradas legalizadas ou ilegais – pelo mundo, estimulam o florescimento de outras complexas relações dentro/fora, público/privado no processo de interiorização da vida em comum, partilhada e compartilhada. Paradoxalmente, observa-se uma intensificação e difusão de movimentos de resistência de populações fragilizadas e ameaçadas jurídico, econômico e socialmente, por meio de uma ação de restituição, ao público, daquilo que “privatizam” como territórios vitais de sobrevivência e existência. Disseminam-se moradas refúgios, profanadas em suas próprias lógicas constitutivas, comunidades contra-comunitárias, construídas e consolidadas pela intrusão, pela presença quase incondicional do outro, tornando-se campo fértil para uma experiência fecunda de interiorização da vida pública, coletiva e comum. Uma ideia de interioridade que surge com uma situação construída, na maioria dos casos, pelo enfrentamento, intrusão e acolhimento, firmando-se e replicando-se, portanto, a partir de lógicas adversas à ideia de comunidade, um lugar sem lugar na dualidade público-privado do território urbano. Uma interioridade que parece ter uma pulsação mais diastólica que sistólica, ao ritmo de algo estranho a sua própria ideia constitutiva, um lugar da separação não negativa, que fortalece relações. A separação como condição de contato com o outro, o de fora, a chance de uma alteridade na identidade. Assunto corrente na contemporaneidade, a tematização da alteridade passa necessariamente pelo reconhecimento das diferenças e daquilo que é outro em relação ao próprio do ente. Pensemos sobre um possível método de construção da alteridade a partir de algo que, no limite, poderia ser entendido como um caminho oblíquo de construção de uma interioridade urbana e de uma sociabilidade interiorizada. Oblíquo porque não nega sua condição, a introversão, mas nega o que é negado pela ideia de interioridade, sua exterioridade, o completamente outro de sua dimensão ontológica. Um método desviante, não conclusivo ou que almeje um fechamento ou síntese, mas um método aberto, do nem-nem, nem um, nem outro, mas entre ambos, na indecidibilidade [conceito central no pensamento de Jacques Derrida] entre um e outro.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Igor Guatelli, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo

É arquiteto e Doutor em Filosofia Moderna Francesa. É professor pesquisador adjunto da graduação e Professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. É Pesquisador Associado do Laboratório GERPHAU-ENSA Paris-La Villette e Université Paris 8 e líder do grupo de pesquisa Cidade e Arquitetura e Filosofia. Estuda desconstrução, filosofia pós-estruturalista, condensadores urbanos, novos processos de territorialização.

Publicado

20-07-2020