Editorial | Lugares do habitar: revisited
Resumo
V!RUS 05 O tema "Lugares do habitar: revisited", dessa quinta edição da revista V!RUS, atraiu 23 submissões, das quais estamos publicando 12: dez na seção Artigos Submetidos e duas na seção Projeto. Entendemos essas colaborações como uma expressão de reconhecimento da revista por pares acadêmicos, de diversas áreas e países, que demonstraram disposição em participar das discussões temáticas que o Nomads.usp Núcleo de Estudos de Habitares Interativos, propõe através da V!RUS. Contar com essas vozes nessa conversa que queremos cada vez mais ampla e variada constitui, para nós, uma grande honra e também um incentivo para continuarmos esse processo.
TEMA Esse número da V!RUS propõe a revisitação do tema que originou o Nomads.usp. Com o nome de Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, o grupo foi criado no ano 2000, em torno do interesse em se estudar a evolução das estruturas familiares e sociais, relacionando-as com a evolução do desenho dos espaços da habitação. Onze anos depois, entendemos que não é apenas na habitação que o morar se faz, nem só na esfera física do espaço arquitetônico, mas num lugar conceitualmente amplo, definido não apenas - e nem sempre - pelo projeto e sua realização, mas por hábitos, processos de comunicação, experiências, interações, conflitos, aspirações, além de interesses mercadológicos, políticos, econômicos, entre muitos outros. Esperamos que revisitar esses lugares do habitar através da rica interlocução oferecida pelos colaboradores desse número da V!RUS possa ampliar e complexizar a visão que temos da nossa morada.
ARTIGOS CONVIDADOS Para balizar essa discussão, convidamos a psicóloga e socióloga francesa Monique Eleb e a arquiteta e doutora em filosofia Silke Kapp, que colocam questões centrais: Eleb recupera a construção da reflexão que associa habitação e modos de vida na França, que serviu de norte para muitos pesquisadores no mundo, inclusive para o Nomads.usp, e da qual ela é uma das principais estudiosas. Kapp escolhe como ponto de partida conceitos construídos no campo da filosofia para questionar a produção do espaço cotidiano do habitar.
ENTREVISTA Uma terceira convidada, a comunicóloga e doutora em Comunicações Ivana Bentes, nos abre outra leitura dos lugares do habitar nas cidades, como espaços de conflito e de reivindicação, inclusive e com muita frequencia no âmbito das redes sociais via internet.
RESENHA Também convidamos o arquiteto e doutor em Arquitetura Givaldo Medeiros a compartilhar uma leitura de projetos recentes de residências brasileiras, lançando um olhar sobre as posturas modernas presentes em nossa arquitetura.
ARTIGOS SUBMETIDOS Dentre os pesquisadores que submeteram trabalhos relacionados ao assunto, alguns se situam mais próximos das preocupações de Eleb, outros da postura sugerida por Kapp, outros, ainda, das questões enunciadas por Bentes, e outros concentram-se no pensamento projetual, como Medeiros. No primeiro caso, estão a socióloga portuguesa Sandra Pereira que apresenta um estudo relacionando apartamentos na Lisboa atual e modos de morar; o urbanista francês Mathieu Perrin, que sugere relações entre o processo de redemocratização de certas sociedades e a consolidação de seus condomínios fechados; e os arquitetos Luis Amorim, Cristina Griz e Claudia Loureiro, que fazem um estudo dos apartamentos na cidade do Recife enquanto produto imobiliário, e de suas relações com os modos de habitar.
No segundo caso, dois artigos submetidos buscam conceitos nas ciências humanas para auxiliar a construir a noção de habitar. O arquiteto e doutor em Educação Rodrigo Gonçalves dos Santos usa a chave da fenomenologia para penetrar o espaço onde se habita; a arquiteta espanhola Simona Pecoraio lê esse espaço através de um tripé teórico formado pelos conceitos de habitares, coabitares e desabitares.
Três são os artigos que trabalham questões próximas às abordadas por Ivana Bentes em sua entrevista. O espaço do habitar é entendido como objeto de reivindicação política no texto da arquiteta e doutora em Artes alemã Ursula Kirschner, que compartilha os conceitos norteadores do projeto More Altona, o qual envolve a comunidade desse bairro de Hamburgo. O arquiteto português Daniel Lobo aborda esferas públicas do habitar viesada pela participação das pessoas, através de dois projetos artísticos, um em Amsterdã, Holanda, e o outro em Karachi, Paquistão. Os conceitos de acesso e propriedade são revistos no artigo dos alemães Tom Bieling, designer, e Marc Bieling, economista, buscando entender, de um ponto de vista do design, os interesses variados que interagem na conformação dos cenários urbanos.
Finalmente, com a mesma preocupação claramente projetual de Medeiros, dois artigos abordam questões bastante distintas. O arquiteto e doutor em Tecnologia da Informação e História da Cidade José Kós e a arquiteta e doutora em Habitação Thêmis Fagundes discutem a ideia de sustentabilidade ambiental em aplicações de sistemas de automação e informação a projetos de habitação, através da avaliação de projetos apresentados no programa Solar Decathlon. Por sua vez, a arquiteta e doutora em Arquitetura Lara Barbosa discute possibilidades em arquitetura e design para o desenho de abrigos temporários em zonas sinistradas, detendo-se em um caso brasileiro.
TAPETE Na seção Tapete, na qual pesquisadores convidados propõem outros olhares sobre o tema central em textos curtos e de formato livre, os lugares do habitar são percebidos dos diferentes pontos de vista de vários campos disciplinares. Aproximando-se da discussão proposta por Eleb, o mestre em História e Administração Maxime Barkatz faz uma leitura da produção imobiliária privada de habitação, em termos internacionais, a partir de sua experiência na França e no Marrocos. Por outro lado, três textos trilham o caminho sugerido por Kapp. A filósofa e doutora em Filosofia Márcia Tiburi nos conduz em um instigante mergulho na zona tênue em que as palavras habitar e diferenças dialogam ou emudecem; a psicóloga e doutora em Psicologia Maria Inês Assumpção Fernandes reflete sobre o sentido de morar em pacientes psiquiátricos levados a habitar casas convencionais; e o filósofo e doutor em Filosofia Ruy Sardinha busca, a partir da perspectiva heideggeriana do habitar, ler ações públicas recentes de construção de espaços de morar.
Na perspectiva delineada por Bentes, a cineasta francesa Odile Fillion, em um ensaio fotográfico sensível e atento, recorda sua visita ao edifício Prestes Maia, em São Paulo, durante sua ocupação por movimentos sociais por moradia. O artista e doutor em Artes Fábio Fon e a artista plástica Soraya Braz comentam a sobreposição entre as esferas pública e privada através de seu projeto Captas, que propõe uma visão crítica do uso de telefones celulares em espaços públicos. E o arquiteto Fernando Maculan, os comunicólogos Alessandra Maria Soares e Claúdio Santos e o diretor de áudio-visual André Amparo propõem relações entre a cidade e seus moradores através do projeto AEurásia.
PROJETO Dois projetos de habitação são apresentados nessa seção, ambos explorando a ideia de flexibilidade. A habitação social proposta pelo arquiteto e doutor em Arquitetura Edson Mahfuz prioriza uma flexibilidade evolutiva, capaz de absorver alterações do grupo familiar em seu ciclo de vida, ao longo dos anos. Já no apartamento metropolitano do arquiteto e mestre em Arquitetura Guto Requena a flexibilidade é quotidiana, constante, e deve permitir a adequação do espaço a usos diversos, ao longo de um único dia.
ARTIGOS NOMADS Enfim, expondo uma visão desenvolvida em pesquisa do Nomads.usp, o arquiteto e mestre em Arquitetura Felipe Anitelli e o arquiteto e livre-docente em Arquitetura Marcelo Tramontano buscam contribuir para explicar a padronização a que se chegou nos projetos de apartamentos paulistanos através de um exame da atuação do BNH como financiador de empreendimentos privados na cidade entre 1964 e 1986.
Esperamos que esse mosaico, formado por um material tão rico e denso, possa alimentar o debate em torno da natureza e do desenho dos muitos lugares em que se efetivam tantos habitares, em nossos dias, inspirando-nos e encorajando-nos a sermos, todos, e cada vez mais, propositivos.