Editoral | Latinoamérica: você está aqui!
Resumo
O intuito primeiro da chamada "Latinoamérica: você está aqui!", que resulta na edição que ora apresentamos, foi o de convocar os pesquisadores da região a incluir em seus discursos e procedimentos acadêmicos a consciência do lugar onde estamos, e a considerar que nossas pesquisas compõem, contribuem para e certamente derivam do fato de alojarem-se, em múltiplos aspectos, no âmbito sócio-cultural da América Latina. Se, por um lado, parece enorme a dificuldade de muitos de nós em reconhecer e relacionar-se com esse fato, por outro lado, face ao atual processo de redesenho de forças em escala planetária, torna-se urgente reconhecermos, reivindicarmos, valorizarmos e qualificarmos nossas relações intra-regionais e com o restante do mundo. Estar na América Latina, nos lembra Adrián Gorelik na generosa entrevista que nos concedeu, é estar no Extremo Ocidente descrito por Alain Rouquié, o que implica em sermos específicos, regionais, ocidentais e, ainda e sobretudo e sempre, atores do Sul Global.
Recebemos contribuições advindas de diversos países do continente durante todo o processo de produção desta edição. Foram centenas os autores que atenderam nossa chamada e os revisores que nos auxiliaram a selecionar e preparar os vinte e três trabalhos que orgulhosamente aqui compartilhamos com a comunidade acadêmica. Apesar de, em boa parte, serem de autoria de pesquisadores brasileiros, eles abordam e discutem com interesse e competência realidades atuais de vários países, temas transversais do continente, em escalas variadas, através de procedimentos muitas vezes inovadores.
A convite do Comitê Editorial, o historiador do urbanismo Adrián Gorelik, Professor Emérito da Universidade Nacional de Quilmes, Argentina, constrói uma leitura plural e atenta do tema central da edição na entrevista En el extremo del Occidente, concedida a Marcelo Tramontano e Mario Vallejo.
A circulação de ideias no continente e dinâmicas resultantes é explorada, de maneira central, em três trabalhos: A América Latina como “ilha”: um projeto utópico libertário, de Cláudia Gonçalves Felipe, Vanguardas na América Latina: Manuel Bandeira no localismo universal, de Brenda Leite, e Teorias da gentrificação: um estudo sobre sua aplicação no Sul Global, de Marina Diógenes.
A cidade latinoamericana é examinada de diversos pontos de vista, utilizando metodologias variadas. Uma perspectiva histórica em Madres de Plaza de Mayo: estratégias narrativas e espaciais, de Isadora Monteiro, um processo de ensino-aprendizagem em Taller Virtual en Red Arquisur: una cátedra latinoamericana, de Fernando Martin Speranza, Helena Ayoub Silva, Roberto Londoño e Lucimeire de Lima, uma mensuração de campo em Dinâmicas urbanas intergeracionais: territorialidade e COVID-19, de Thais Libardoni e Lígia Chiarelli, um exame de princípios e legislações em Direito à cidade e bem viver: diálogos e afetos latino-americanos, de Liana de Viveiros e Oliveira, Adriana Lima e Julia Dell'Orto, e uma reflexão comparativa entre metrópoles em Coletivo das infraestruturas em dependência: desencantamento e desvio, de Cauê Capillé, Luísa Gonçalves e Thiago de Soveral.
Dois trabalhos buscam relacionar a região com o mundo, em movimentos distintos. De fora para dentro, tendo a arquitetura como lente – Fundação Casa Wabi: Tadao Ando, Álvaro Siza e Kengo Kuma no México, de Thaís Piffano Oliveir e Fabiola Zonno. E de dentro para fora, tendo o design como caminho: Design como estratégia de competitividade para internacionalização, de Laercio Marques da Silva, Camilla Cavalcanti, Otávio Oliveira e Fernando Linhares.
O tema da habitação é abordado em esferas distintas e complementares. Do ponto de vista das políticas habitacionais governamentais, em Pensar criticamente as políticas habitacionais brasileira e chilena, de Veronica Donoso e Carolina Arrau, da perspectiva das ocupações populares em metrópoles, em Entre as barriadas limeñas e as ocupações belorizontinas, de Leticia Notini e Tiago Lourenço, e sobre o modelo habitacional espontâneo em região amazônica, em Representações espaciais pelo uso na moradia tradicional amazônica, de Izabel de Oliveira Nascimento e Ana Kláudia Perdigão.
Similarmente, o desenho de assentamentos peculiares e próprios à história do continente é objeto de quatro trabalhos. O desenho de intervenções precisas em colaboração com comunidades andinas, em PICO Colectivo como metodologia projetual em territórios fragilizados, de Mariana Sant'Anna e Vera Luz – na seção Projeto –, o desenho de acampamentos para refugiados venezuelanos, em Arquitetura humanitária e acolhimento na América Latina, de Vera Hazan, o desenho de dispositivos ambientais urbanos, em Jardim Pantanal: a instrumentalização de uma bacia hidrográfica, de Nelson Brissac Peixoto e Alexandre Gonçalves, e o desenho controlado e relacional das missões jesuítas através do Brasil, Argentina e Paraguai, no artigo convidado Missões jesuíticas como sistema: uma revisão necessária, das pesquisadoras do Nomads.usp Sandra Soster e Anja Pratschke.
Questões de gênero e de enfrentamento a processos colonizadores são examinadas em dois trabalhos: Um transformismo latino: Bartolina Xixa e a insurreição micropolítica, de Douglas Ostruca, e A espacialização da bunda e a ressexualização da cidade, de Ana Paula Boscatti. Este último compõe, juntamente com três outras contribuições, um conjunto de quatro trabalhos que agrupamos na seção Tapete, compondo um subtema no qual a imagem é protagonista da linguagem escolhida para a construção da informação, em diferentes registros – artístico, jornalístico, publicitário, em formatos audiovisual, fotográfico ou de colagem. São eles: Rarefacciones: usando el arte para exhibir la contaminación humana, de Ana Cecilia Parrodi, A interculturalidade da Lavagem do Bonfim da Bahia, de Atílio Avancini, e América Latina em gestos, de Samira Proêza.
Desejamos a todas, todos e todes excelente leitura.